Síndrome da escápula em ressalto: ensaio iconográfico
Descritores: Escápula; Doenças articulares/diagnóstico por imagem; Ombro. |
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Resumo: A síndrome da escápula em ressalto é definida como um estalido audível e/ou palpável da escápula durante os movimentos na articulação escapulotorácica(1). Ela acomete mais pacientes jovens e ativos, os quais comumente referem história de dor por uso excessivo, durante movimentos rápidos do ombro ou durante atividades esportivas(2). Esses sintomas podem ter início insidioso, ocorrer após uma modificação no padrão de atividade física ou estar associados a trauma(3). ANATOMIA E BIOMECÂNICA A escápula é um osso plano e triangular que se encontra entre a segunda e a sétima costelas. Possui duas superfícies (ventral e dorsal), três bordas (superior, lateral e medial) e três ângulos (superomedial, inferomedial e lateral)(3–5). A articulação entre a escápula e a caixa torácica é uma das mais incongruentes no corpo humano, pois não apresenta estruturas articulares verdadeiras, mas sim um complexo muscular ao seu redor, os quais são divididos em três camadas: superficial, intermediária e profunda. A camada superficial compreende os músculos trapézio e grande dorsal, que pode ser associada a uma bursa localizada entre o ângulo inferomedial e as fibras superficiais do músculo grande dorsal(3). A camada intermediária consiste nos músculos romboide maior, romboide menor e elevador da escápula. A bursa trapezoidal situa-se entre o músculo trapézio e a base da espinha escapular. A camada profunda consiste nos músculos serrátil anterior e subescapular e contém duas bursas: a infrasserrátil, localizada entre o músculo serrátil anterior e a caixa torácica, e a suprasserrátil, localizada entre os músculos serrátil anterior e subescapular(3). A Figura 1 faz a demonstração de bursas e de suas respectivas relações anatômicas. O controle e o posicionamento adequado da escápula são fundamentais para o correto funcionamento da articulação glenoumeral. Durante o movimento normal do ombro, a escápula precisa estar devidamente alinhada em múltiplos planos de movimento, situação que depende de ações harmônicas e sincrônicas entre os diversos músculos escapulares. A escápula recebe diferentes combinações de forças exercidas pelos músculos que nela se inserem, produzindo movimentos de abdução, adução, elevação, depressão e rotação (Figuras 2 e 3). Há um padrão de arco de movimento entre a articulação glenoumeral e a articulação escapulotorácica, conhecido como ritmo escapuloumeral, o qual tem uma relação de 2:1. Para cada dois graus de movimento do úmero, a escápula se movimenta um grau(6) (Figura 4).
VARIAÇÕES ANATÔMICAS E DOENÇAS QUE PODEM CAUSAR A SÍNDROME Ângulo superomedial da escápula e variações anatômicas A articulação escapulotorácica é amortecida pelos músculos serrátil anterior, subescapular e pelas bursas(7). Os ângulos superior, inferior e a borda medial da escápula são relativamente menos protegidos por músculos e bursas subjacentes, e a borda superomedial e o polo inferior apresentam ampla variabilidade anatômica(4,7). Quando nenhuma deformidade óbvia é encontrada, deve-se procurar por variações anatômicas, como a curvatura anterior anômala do ângulo superior da escápula, que é considerada uma das principais causas da síndrome. O ângulo superomedial da escápula foi medido em peças anatômicas e variou entre 124° e 162° (144,34° ± 9,09°)(7); quando inferior a 142°, aumentam-se as chances de ressalto escapular(8). A mensuração desse ângulo é feita na superfície anterior da escápula, utilizando-se três pontos anatômicos de referência: o ângulo superior, a espinha e o ângulo inferior, conforme exemplificado nas Figuras 5 e 6. Uma projeção óssea no polo inferior é o segundo local mais comum para os sintomas(4) (Figura 7).
Tubérculo de Luschka É uma protuberância óssea em forma de gancho na borda superomedial da escápula, que pode reduzir o espaço entre a escápula e o gradil costal e ser fator predisponente para ressalto(7). Discinesia da escápula, insuficiência do músculo serrátil anterior, lesão do nervo torácico longo Discinesia escapular significa movimento, posicionamento ou função anormal da escápula durante a movimentação do ombro, sendo achado clínico comum. Pode ser causa ou consequência de muitas formas de dor no ombro e disfunção. Existem múltiplas causas de discinesia. As causas relacionadas às articulações incluem artrose acromioclavicular, instabilidade e distúrbio da articulação glenoumeral. As causas ósseas incluem cifose torácica, fratura clavicular não consolidada, encurtamento, rotação ou angulação clavicular. Causas neurológicas incluem paralisias dos nervos torácico longo, nervo espinhal acessório e radiculopatia cervical(9) (Figuras 8 e 9). Os mecanismos mais comuns envolvem desequilíbrios da musculatura intrínseca, com inflexibilidade ou inibição da ativação muscular normal(9). O ressalto pode estar presente nas discinesias, pois os movimentos anormais fazem com que as extremidades da escápula se aproximem do gradil costal. Independentemente da causa da discinesia, o resultado final na maioria dos casos é uma escápula em pronação, que não é favorável para a função ideal do ombro e resulta em espaço subacromial diminuído, com sintomas de impacto(9).
Sequelas de fraturas da escápula e gradil costal As sequelas de fraturas da escápula e gradil costal podem causar deformidades ósseas, levando a maior atrito entre as estruturas da articulação escapulotorácica(10). Bursites A bursite escapulotorácica pode ocorrer após um único insulto traumático, como resultado de movimentos repetitivos da articulação escapulotorácica ou por discinesia escapular. O movimento escapular anormal pode ser causado pelo uso excessivo da musculatura, pelo desequilíbrio muscular ou condições patológicas da articulação glenoumeral(3). Quando os músculos da face costal da escápula diminuem de tamanho, a escápula inclina-se para frente, aproximando-se do gradil costal, gerando atrito na parede torácica durante o movimento, causando inflamação no espaço escapulotorácico (bursite)(3) (Figuras 7 e 10).
Tumores ósseos Osteocondroma ou exostose é o tumor ósseo benigno primário mais comum da escápula, sendo geralmente solitário (90%) e podendo ser múltiplo na forma de exostose múltipla hereditária em cerca de 10%. É considerado alteração da placa de crescimento, deixando de aumentar de tamanho após a maturidade esquelética(11). Geralmente envolve a metáfise de ossos longos, e raramente a escápula (4–6%). Pode ser sintomático, principalmente devido ao seu efeito de massa, causar uma pseudoescápula alada, crepitação e alterar o movimento escapulotorácico. Pode também causar compressão neurovascular, fraturas, inflamação da bursa ou transformação maligna(11) (Figuras 10 a 12). O condrossarcoma escapular é raro, mas a escápula é o segundo local mais frequente de acometimento dessa doença, predominando em pacientes do sexo masculino com idade entre 40 e 70 anos(3,4).
Elastofibromas Tumor benigno de partes moles com crescimento lento e prevalência de até 24% nos idosos, é mais frequente em mulheres com idade entre 55 e 70 anos. Acredita-se que ocorra em reação a microtrauma repetitivo por fricção entre a escápula e a parede torácica. Geralmente, se localiza no polo inferior da escápula, profundamente aos músculos serrátil anterior e latíssimo dorsal. Pode se manifestar como aumento de volume subescapular ou infraescapular, desconforto ou dor moderada, crepitações, estalos ou bloqueio escapular(12) (Figuras 13 e 14).
CONCLUSÃO A síndrome do ressalto escapular é rara, mas pode causar intensa dor e limitação funcional. Portanto, os achados de imagem devem ser prontamente reconhecidos. O presente ensaio iconográfico ilustrou as suas principais condições relacionadas por meio de exames de imagem. REFERÊNCIAS 1. Morgado S, Antunes F. Síndrome de escápula crepitante. Revista da Sociedade Portuguesa de Medicina Física e de Reabilitação. 2010;19:23–6. 2. Merolla G, Cerciello S, Paladini P, et al. Snapping scapula syndrome: current concepts review in conservative and surgical treatment. Muscles Ligaments Tendons J. 2013;3:80–90. 3. Lazar MA, Kwon YW, Rokito AS. Snapping scapula syndrome. J Bone Joint Surg Am. 2009;91:2251–62. 4. Kuhne M, Boniquit N, Ghodadra N, et al. The snapping scapula: diagnosis and treatment. Arthroscopy. 2009;25:1298–311. 5. Frank RM, Ramirez J, Chalmers PN, et al. Scapulothoracic anatomy and snapping scapula syndrome. Anat Res Int. 2013;2013:635628. 6. Scibek JS, Carcia CR. Assessment of scapulohumeral rhythm for scapular plane shoulder elevation using a modified digital inclinometer. World J Orthop. 2012;3:87–94. 7. Aggarwal A, Wahee P, Harjeet, et al. Variable osseous anatomy of costal surface of scapula and its implications in relation to snapping scapula syndrome. Surg Radiol Anat. 2011;33:135–40. 8. Mozes G, Bickels J, Ovadia D, et al. The use of three-dimensional computed tomography in evaluating snapping scapula syndrome. Orthopedics. 1999;22:1029–33. 9. Roche SJ, Funk L, Sciascia A, et al.. Scapular dyskinesis: the surgeon’s perspective. Shoulder Elbow. 2015;7:289–97. 10. Burn MB, McCulloch PC, Lintner DM, et al. Prevalence of scapular dyskinesis in overhead and nonoverhead athletes: a systematic review. Orthop J Sports Med. 2016;4:2325967115627608. 11. Jindal M. Delayed presentation of osteochondroma at superior angle of scapula – a case report. J Orthop Case Rep. 2016;6:32–4. 12. Britto AVO, Rosenfeld A, Yanaguizawa M, et al. Avaliação por imagem dos elastofibromas da cintura escapular. Rev Bras Reumatol. 2009;49:321–7. 1. Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo, SP, Brasil; https://orcid.org/0000-0002-6672-6045 2. Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo, SP, Brasil; https://orcid.org/0000-0003-0649-3662 3. Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo, SP, Brasil; https://orcid.org/0000-0002-7107-2621 4. A.C.Camargo Cancer Center, São Paulo, SP, Brasil; https://orcid.org/0000-0003-0203-6376 5. Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo, SP, Brasil; https://orcid.org/0000-0002-5210-3605 6. Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo, SP, Brasil; https://orcid.org/0000-0003-4395-1159 |